pub-9363386660177184 Pensando as Escrituras: O Abominável da Desolação na queda de Jerusalém

O Abominável da Desolação na queda de Jerusalém


Introdução

A expressão “abominável da desolação” ocupa um lugar de destaque tanto na literatura profética do Antigo Testamento quanto nos discursos escatológicos de Jesus registrados nos evangelhos sinóticos. Presente em Daniel (9.27; 11.31; 12.11), o termo carrega um peso semântico intenso, pois descreve um ato de profanação extrema no centro do culto israelita, isto é, no Templo de Jerusalém. Ao ser retomada por Jesus em Mateus 24.15, Marcos 13.14 e, de forma interpretativa, em Lucas 21.20, essa expressão ganhou bastante relevância como chave hermenêutica para a compreensão da queda de Jerusalém no ano 70 DC.

O objetivo desse texto é aprofundar a análise da expressão “abominável da desolação”, considerando o seu contexto veterotestamentário, a sua realização histórica na época de Antíoco IV Epifânio e, finalmente, a reinterpretação dada por Jesus à luz da destruição do Segundo Templo. Com isso, pretendo demonstrar que, de acordo com a perspectiva preterista parcial, o cumprimento total dessa profecia ocorreu na invasão romana. Entendendo isso, poderemos colocar de lado as projeções futuristas ligadas a um suposto Terceiro Templo ou a um Anticristo futuro.

 

O “Abominável da Desolação” em Daniel

No livro de Daniel, a expressão hebraica “abominação desoladora” ou “abominação que causa horror” aparece em contextos apocalípticos que falam da interrupção do culto a Deus e da profanação do Templo. Por exemplo, em Daniel 9.27, lemos sobre a cessação do sacrifício e da oferta. Em 11.31, Daniel menciona a abominação colocada no Lugar Santo. E em 12.11, o marco temporal de 1290 dias é associado a esse evento.

O termo “abominação” no Antigo Testamento é geralmente aplicado a práticas idólatras (cf. 1Rs 11.5-7; Jr 7.30), enquanto o termo “desolação” indica uma devastação ou ruína. Assim, a expressão sugere uma combinação de idolatria profanadora e devastação cultual, o que explica a sua gravidade diante de Deus e a sua centralidade na expectativa apocalíptica judaica.

 

O cumprimento histórico em Antíoco IV Epifânio

O primeiro cumprimento explícito dessa profecia ocorreu no ano 167 AC durante o domínio selêucida. Antíoco IV Epifânio, ao impor a helenização da Judeia, erigiu um altar pagão sobre o altar do holocausto e ali sacrificou um animal imundo (um porco) em honra a Zeus Olímpico (ou Júpiter, na interpretação romana). Esse ato representou o auge da profanação, pois uniu a idolatria com o desprezo absoluto pelo culto a Yahweh.

O livro de 1Macabeus (1.54-59) relata em detalhes a instalação dessa abominação e a perseguição subsequente aos judeus fiéis:

 

“No dia quinze do mês de Casleu, do ano cento e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Judá. Ofereciam sacrifícios diante das portas das casas e nas praças públicas, rasgavam e queimavam todos os livros da lei que achavam em toda parte, todo aquele em poder do qual se achava um livro do testamento, ou todo aquele que mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem do rei. Com esse poder que tinham, tratavam assim, cada mês, os judeus que eles encontravam nas cidades e, no dia vinte e cinco do mês, sacrificavam no altar, que sobressaía ao altar do templo.”

 

Isso deu origem à revolta macabeia. Para a tradição judaica, esse foi o paradigma histórico daquilo que Daniel havia predito. Foi o momento em que o Templo foi transformado num centro de idolatria.

 

A reinterpretação de Jesus

Séculos mais tarde, Jesus retoma essa linguagem no Sermão Escatológico. Em Mateus 24.15-16, Ele afirma: “Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê entenda), então os que estiverem na Judeia fujam para os montes”. Marcos 13.14 faz eco dessa mesma formulação. Mas é o evangelho de Lucas que traduz esse conceito para o leitor gentio de maneira muito mais clara: “Quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei que é chegada a sua desolação” (Lucas 21.20).

É importante deixar claro que Jesus não nega o cumprimento passado da profecia nos dias de Antíoco. O Senhor dá um novo significado, apontando para o cumprimento pleno no horizonte imediato da geração do primeiro século (cf. Mt 24.34). Assim, o “abominável da desolação” passa a ser a chave para entendermos a tragédia de 70 DC, quando Tito, o general romano, cercou Jerusalém, devastou a cidade e destruiu o Templo.

 

A destruição do Templo em 70 DC

A queda de Jerusalém foi uma tragédia sem precedentes na história do povo judeu. O historiador Flávio Josefo relata em A Guerra dos Judeus a fome assoladora, os massacres e a completa ruína do Templo. Os sacrifícios cessaram definitivamente e a centralidade do culto levítico desapareceu. Nesse contexto, os romanos transformaram o espaço sagrado num palco de horror e blasfêmia. O estandarte imperial (símbolo pagão de Roma) foi erguido dentro do Templo. A abominação foi posta no Lugar Santo. Esse ato profano marcou o juízo divino anunciado por Jesus.

 

O debate futurista e a interpretação preterista

Enquanto algumas tradições cristãs (especialmente de vertente dispensacionalista) projetam o “abominável da desolação” para um futuro Anticristo e para a construção de um Terceiro Templo em Jerusalém, a leitura preterista parcial entende que essa visão não faz justiça aos textos sinóticos e ao testemunho histórico. Lucas substitui a expressão “abominável da desolação” pela frase “Jerusalém cercada de exércitos”. Isso, de fato, funciona como chave interpretativa e elimina as ambiguidades. Essa troca de expressões confirma que a profecia de Jesus teve sua realização no primeiro século. Além disso, a expressão “quem lê, entenda” de Mateus e Marcos é uma advertência para os discípulos daquele tempo. Eles deveriam discernir os sinais e fugir.

 

Conclusão

Portanto, o “abominável da desolação” alcança o seu cumprimento definitivo na queda de Jerusalém no ano 70 DC. A profanação do Templo pelos romanos representou o juízo de Deus sobre uma geração que rejeitou o Messias, conforme foi anunciado ao longo dos evangelhos sinóticos. Temos que evitar as leituras anacrônicas e futuristas que desviam o sentido do texto. Isso só é possível quando compreendemos a profecia à luz do seu contexto histórico. Deus cumpre fielmente a Sua Palavra. O juízo histórico de Jerusalém prefigura a realidade maior do Reino de Cristo, Reino esse que avança na história até a consumação final.




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