pub-9363386660177184 Pensando as Escrituras: O Cântico de Débora (Jz 5:1-31)

O Cântico de Débora (Jz 5:1-31)


AS DIFERENÇAS ENTRE OS CAPÍTULOS 4 E 5 DE JUÍZES         
O número de tribos em ambos os capítulos é diferente. No capítulo quatro, duas tribos são mencionadas. No capítulo cinco, seis tribos são mencionadas. Um outro detalhe é que o capítulo cinco não menciona o rei Jabim nem o monte Tabor. Além disso, o local onde a batalha foi travada são diferentes, bem como o relato da morte de Sísera. Como explicar essas divergências? Para resolver esses problemas, podemos pensar em duas coisas: 1) O capítulo quatro é um registro prosaico enquanto o capítulo cinco é um registro poético dos acontecimentos. A poesia hebraica apresenta detalhes com maior precisão do que a prosa hebraica, e 2) A batalha ocorreu em duas etapas diferentes, em regiões diferentes.

BREVE INTRODUÇÃO AO CÂNTICO
Assim como Moisés (Êxodo 15:1) [1], Débora e Baraque também cantaram ao Senhor. Esse poema é um dos mais belos e antigos cânticos da literatura israelita. Com certeza ele foi incluído nas antologias poéticas que existiam no Israel antigo. No Antigo Testamento, duas coleções de antologias são mencionadas: o “Livro das Guerras do Senhor” e o “Livro de Jasar” (Números 21:14; Josué 10:13; 2 Samuel 1:18).

AUTORIA DO CÂNTICO
Este é um ponto em que há algumas conjecturas. Há quem aponte Débora e Baraque como sendo os autores: “Naquele dia, Débora e Baraque, filho de Abinoão, cantaram este cântico” (v. 1). Outros sugerem apenas Débora, por ela falar na primeira pessoa do singular: “A vida já havia cessado nos povoados; já havia cessado, até que eu, Débora, me levantei, até que me levantei como mãe em Israel” (v. 7). Um terceiro grupo ainda sugere um autor desconhecido, que escreve se dirigindo aos dois juízes Débora e Baraque: “Desperta, desperta, Débora; desperta, desperta, entoa um cântico! Levanta-te, Baraque, e leva cativos teus prisioneiros, filho de Abinoão” (v. 12). Todavia, a maioria dos estudiosos e comentaristas indica Débora como a autora do cântico.

ELEMENTOS DO CÂNTICO

1. Paralelismo: o paralelismo poético apresenta, geralmente, duas linhas que são paralelas entre si. Neste sentido, temos duas subdivisões do paralelismo.

1.1. Paralelismo sinônimo ou idêntico: Nesse tipo de paralelismo, uma ideia ou um pensamento é transmitido na primeira linha. Em seguida, a mesma ideia ou pensamento é repetida na segunda linha. Acontece a repetição da mensagem, e não das palavras propriamente.

“Dai ouvidos, ó reis;
ouvi, ó príncipes!” (v. 3a)

1.2. Paralelismo climático: Nesse tipo de paralelismo, a segunda linha repete uma parte da linha anterior. Em seguida, acrescenta um novo detalhe a fim de deixar a ideia mais completa. Isso coloca o pensamento do texto em movimento para frente.

“[...] Cantarei ao SENHOR,
entoarei um salmo ao SENHOR, Deus de Israel.” (v. 3b)

2. Sistema de rima ou métrica: A poesia ocidental procura equilibrar a quantidade de sílaba num verso. Na poesia hebraica, cada pensamento é expresso numa só palavra. Às vezes, uma única palavra pode ser equivalente a uma frase curta. Essa e outras características da poesia hebraica causa dificuldades nas traduções.

ESBOÇO DO CAPÍTULO 5 DE JUÍZES

ACONTECIMENTO
TEXTO BÍBLICO
Convite ao louvor
vv. 1-2
A intervenção do Todo-Poderoso
vv. 3-5
Efeitos da opressão cananita
vv. 6-8
Convite para testemunhar
vv. 9-11
Chamado das tribos
vv. 12-18
A derrota dos cananeus
vv. 19-22
Traição e patriotismo
vv. 23-27
A cena na casa de Sísera
vv. 28-30
Coro final e conclusão
v. 31

EXPOSIÇÃO DO TEXTO

Convite ao louvor (vv. 1-2)
É provável que esses versículos tenham sido introduzidos pelo editor. Isso não significa que não sejam inspirados por Deus. O editor estava dando a ambientação da época, antes de registrar o cântico.

A intervenção do Todo-Poderoso (vv. 3-5)
Todos são convocados a cantar ao Senhor: “Dai ouvidos, ó reis; ouvi, ó príncipes! Cantarei ao SENHOR, entoarei um salmo ao SENHOR, Deus de Israel” (v. 3). Os “Reis” e “príncipes” indica toda pessoa de grande importância. Note que havia uma chuva intensa na batalha: “[...] a terra estremeceu, os céus gotejaram; as nuvens despejaram água” (v. 4b). Em outras palavras, Deus moveu a Sua própria criação para ajudar o Seu povo na batalha. Nas palavras de Artur E. Cundall e Leon Morris: “Toda a criação pareceu enfileirar-se ao lado do exército insignificante e mal equipado dos israelitas” [2].

Efeitos da opressão cananita (vv. 6-8)
Esses versículos revelam a situação deplorável e miserável que o povo de Israel estava enfrentando. O versículo seis diz que “cessaram as caravanas”, ou seja, a comercialização se tornou algo impossível. Aqueles que fossem viajar, precisavam pegar uma rota menos frequentada, ficando sujeitos ao ataque de bandos de salteadores. Note o que dito na parte B do versículo seis: “[...] e os que viajavam iam por atalhos tortuosos”. Nesses atalhos, os bandidos cananeus ficavam escondidos, prontos para atacar.
Não só o comércio foi afetado. A agricultura também foi afetada. O povo de Israel estava constantemente exposto aos perigos dos cananeus. As pequenas vilas já não tinham muros por conta das depredações. O povo entrou em desespero e passou a adorar outros deuses. Mas será que isso resolveu o problema? Na verdade, as coisas pioraram: “Assim que escolheram deuses novos, a guerra estava às portas; não se via um só escudo ou lança entre quarenta mil em Israel” (v. 8). Essa atitude trouxe guerra, fraqueza e servidão. A frase “não se via um só escudo ou lança entre quarenta mil em Israel” pode indicar que o povo de Israel tinha sido privado de suas armas. Eles não foram privados do uso delas, pois sem armas o povo de Israel não poderia lutar. O povo de Israel foi impedido de exibir essas armas em público.

Convite para testemunhar (vv. 9-11)
Débora diz que se alegra por causa daqueles homens que foram voluntários na guerra; que se prontificaram a lutar pelo Senhor. Em seguida, ela convoca três classes de pessoas para participar da celebração: 1. Aqueles que cavalgam sobre jumentas brancas (v. 10a), ou seja, aqueles que exerciam autoridade; 2. Aqueles que assentam sobre ricos tapetes (v. 10b), ou seja, pessoas comuns que ficavam em casa e 3. Aqueles que andam pelo caminho (v. 10c), ou seja, os pobres que andam a pé. Débora convoca as pessoas da classe alta, média e baixa para louvar a Deus. O versículo onze diz que essas três classes vão cantar em alta voz celebrando os atos do Senhor. Eles vão cantar mais alto “que a voz dos que distribuem água junto aos bebedouros”, isto é, mais alto do que os músicos que perambulavam de um lado para o outro tocando lira.

Chamado das tribos (vv. 12-18)
Essa porção apresenta a resposta que cada tribo deu diante da convocação de Débora e Baraque à batalha. Duas tribos foram rápidas em lutar: Zebulom e Naftali. As outras quatro tribos (Rúben, Dã, Aser e Gileade) não estavam dispostas a lutar pelos seus irmãos. A razão disso é que eles não estavam sendo afetados diretamente pelos cananeus. Enquanto isso, as outras tribos estavam sofrendo dificuldades: “O povo de Zebulom se expôs à morte, como também o povo de Naftali, nas regiões altas do campo” (v. 18).

A derrota dos cananeus (vv. 19-22)
O exército cananeu partiu contra Israel, mas não conseguiu levar os seus despojos de prata: “Vieram reis e guerrearam. Os reis de Canaã guerrearam em Taanaque, junto às águas de Megido; não tomaram despojo de prata” (v. 19). Por que não conseguiram? Eles não conseguiram porque “desde os céus as estrelas guerrearam; desde suas órbitas guerrearam contra Sísera” (v. 20). As “estrelas” que guerrearam contra Sísera não são os anjos. Refere-se a uma tempestade violenta que favoreceu o povo de Israel. A prova disse está no versículo seguinte: “O ribeiro de Quisom os arrastou, aquele antigo ribeiro, o ribeiro de Quisom. Avante, minha alma! Sê forte!” (v. 21). O ribeiro de Quisom ficou inundado de água, e os 900 carros de ferro do exército de Sísera atolaram na lama. O versículo seguinte diz que os cavalos caíram ao chão, fazendo com que Sísera fugisse a pé: “Então os cascos dos cavalos golpearam a terra, na fuga precipitada dos seus valentes” (v. 22; cf. Juízes 4:15).

Traição e patriotismo (vv. 23-27)
Essa porção relata a maldição proferida sobre a cidade de Meroz. Os habitantes dessa cidade foram amaldiçoados porque eles se recusaram a ajudar o povo de Israel na batalha. Em seguida, o texto faz um contraste entre a covardia dos habitantes de Meroz e a corajosa Jael, que assassinou Sísera. Jael foi citada no cântico de Débora por causa de sua heroica coragem. Um homem ser morto pelas mãos de uma mulher era algo vergonhoso na época. Além disso, Jael quebrou todos os padrões de hospitalidade, e não se importou com as consequências de sua atitude.

A cena na casa de Sísera (vv. 28-30)
A agonia da mãe de Sísera é retrata nessa porção. Olhando pela janela, ela pergunta o motivo de seu filho demorar tanto para voltar: “A mãe de Sísera olhava pela janela e atrás da grade exclamava: Por que o seu carro tarda em vir? Por que demora o ruído dos seus carros?” (v. 28). Ela pensou que talvez Sísera estivesse dividindo os despojos: “Certamente estão achando e repartindo os despojos. Uma ou duas moças para cada homem; despojos de roupas coloridas para Sísera; despojos de roupas coloridas e bordadas para o meu pescoço” (v. 30). A divisão dos despojos incluía as mulheres do exército derrotado. Note a palavra “moça” (dama ou donzela) no versículo citado. A palavra hebraica (רַחַם: raam) significa “útero” ou “ventre”. A tradução mais próxima seria “meretriz”. Isso indica que essas mulheres eram abusadas sexualmente pelos soldados captores. A mãe de Sísera pensou que o filho voltaria com roupas coloridas e com os despojos dos inimigos, mas só restaria saco e cinza de tristeza.

Coro final e conclusão (v. 31)
O último verso do poema termina declarando a morte dos inimigos do Senhor: “Ó SENHOR, morram assim todos os teus inimigos! [...]” (v. 31a). Os inimigos de Deus serão destruídos, mas aqueles que O amam serão radiantes e vitoriosos! A última parte do versículo revela que 40 anos de paz acompanharam a vitória sobre o exército inimigo.

APLICAÇÕES PRÁTICAS

1) Não importa a circunstância que você enfrente. Deus usará o que for necessário para cuidar de você.

2) O pecado não é o remédio para o sofrimento. O remédio para o sofrimento é a oração: “Alguém entre vós está aflito? Ore [...]” (Tiago 5:13a).

3) As vitórias precisam ser comemoradas. A celebração é o antídoto contra a ingratidão.

4) Quando se trata de fazer algo para o reino de Deus, somos tímidos como os habitantes de Meroz ou somos corajosos como Jael?

5) Assim como Deus destruiu Sísera e todo seu exército, no futuro Ele também destruirá os nossos inimigos: o mundo, a nossa natureza pecaminosa e o próprio Diabo.



Fabrício A. de Marque

 _________________________________

Notas:
[1] “Então Moisés e os israelitas entoaram este cântico ao SENHOR: Cantarei ao SENHOR, pois triunfou gloriosamente; lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro”.
[2] Artur E. Cundall & Leon Morris. Juízes: Introdução e Comentário. São Paulo, SP: Vida Nova, 1986. p. 93.



Nenhum comentário:

Se o conteúdo te ajudou, deixe-nos um comentário!
Obrigado pela visita!