pub-9363386660177184 Pensando as Escrituras: Cristo desceu ao inferno após a morte?

Cristo desceu ao inferno após a morte?



Vários versículos são citados como base para defender a descida de Jesus ao inferno: Atos 2.27; Romanos 10.6-7; Efésios 4.8-9; 1Pedro 4.6 e 1Pedro 3.18-20. O presente texto seguirá do seguinte modo: citarei a última passagem da primeira carta de Pedro, mencionarei as interpretações sugeridas, explicarei o significado do texto e, por fim, darei uma breve palavra sobre o Credo Apostólico.

Pedro escreveu: “Pois também Cristo padeceu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir vocês a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais, noutro tempo, foram desobedientes, quando Deus aguardava com paciência nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucas pessoas, apenas oito, foram salvas através da água”.

Algumas pessoas afirmam que, após morrer na cruz e antes de ressuscitar dos mortos, Jesus desceu ao inferno. Mas o que Jesus foi fazer no inferno? O primeiro grupo afirma que Jesus foi ao inferno proclamar a Sua vitória sobre os “espíritos em prisão”, isto é, sobre os demônios. O segundo grupo afirma que Jesus foi ao inferno oferecer uma segunda oportunidade de arrependimento para os incrédulos. A expressão “espíritos em prisão”, então, faz referência aos incrédulos. O terceiro grupo ensina que Jesus foi ao inferno proclamar a libertação dos crentes do Antigo Testamento, pois eles estavam aguardando a conclusão da obra redentora na cruz, para que pudessem ter acesso ao céu.

Nenhuma dessas interpretações é satisfatória. O que Pedro está ensinando? Quando Noé estava construindo a arca, a mensagem de arrependimento foi pregada por Cristo em espírito, através de Noé, aos contemporâneos de Noé. Os incrédulos da época de Noé são os “espíritos em prisão”, porque hoje eles estão presos no inferno, condenados para sempre. Quando estavam fisicamente vivos, eles rejeitaram a pregação de Noé, demonstrando incredulidade e desobediência à mensagem que poderia salvá-los. Por isso, eles não foram salvos e estão na prisão do inferno, aguardando a ressurreição de seus corpos para o julgamento final.

Posto isso, agora consideremos o Credo Apostólico. A palavra “credo” significa “creio”. O Credo dos Apóstolos é um símbolo histórico do início da Igreja, que expressa a crença dos verdadeiros crentes com base nas Escrituras. Ele é apostólico no sentido de reproduzir com fidelidade o ensino dos apóstolos de Jesus. Contudo, vale destacar que os apóstolos não foram os autores do Credo Apostólico. E por que esse credo foi elaborado? A Igreja precisou estabelecer um Credo por dois motivos: (1) expansão missionária visando a instrução dos novos convertidos, e (2) proteção contra as heresias e filosofias pagãs.

Mas, afinal, o que o Credo Apostólico tem a ver com a descida de Jesus ao inferno? Bem, nenhum versículo afirma que Jesus desceu ao inferno. No entanto, algumas versões do Credo Apostólico incluíram a seguinte afirmação: “[...] Foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno; e ao terceiro dia, ressurgiu dos mortos [...]”. Se o Credo expressa com fidelidade o ensino dos apóstolos, e se os apóstolos nunca disseram que Jesus desceu ao inferno, por que essa frase foi inserida no Credo Apostólico? 

O Credo Apostólico foi gradualmente moldado no decorrer de alguns séculos: desde cerca de 200 d.C. até 750 d.C. Isso significa que as primeiras versões do Credo não continham essa frase. A referida frase apareceu, pela primeira vez, em 390 d.C., em uma versão do Credo elaborada por Rufino. Depois disso, a frase “desceu ao inferno” não apareceu em nenhuma outra versão, até o ano 650 d.C. Além do mais, o próprio Rufino não compreendia essa frase do jeito que as pessoas compreendem hoje. Segundo ele, a expressão “desceu ao inferno” significa apenas “desceu à sepultura”. Convenhamos que são conceitos completamente diferentes.

Na tentativa de justificar essa infeliz frase, algumas interpretações foram oferecidas. Nenhuma delas, contudo, apoia a ideia de que Jesus foi ao inferno literalmente. Assim, afirmam que o sentido da frase é que Jesus sofreu “os tormentos do inferno”, ou ainda, que Jesus permaneceu em “estado de morte”. Essas sugestões podem ser lidas, por exemplo, nas Institutas do reformador João Calvino, no Catecismo de Heidelberg (pergunta 44) e no Catecismo Maior de Westminster (pergunta 50).

Por fim, concluo o texto afirmando que Jesus não desceu ao inferno entre a Sua morte e ressurreição. Quanto à frase do Credo Apostólico, entendo que seria melhor retirá-la de lá, ao invés de espiritualizar o seu sentido. Ora, se a Bíblia não ensina que Jesus desceu ao inferno, por que manter essa frase no Credo? Essa frase, além de não constar nas versões iniciais do Credo Apostólico, só gera confusão e equívocos teológicos e hermenêuticos na mente das pessoas.



Fabrício A. de Marque




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