Observe o que o profeta Jeremias disse a Deus: “Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu e prevaleceste. Sou ridicularizado o dia inteiro; todos zombam de mim” (Jr 20.7). É uma afirmação estranha, não acha? Seria possível Deus ter enganado Jeremias, visto que é impossível Deus mentir (Hb 6.18) e conduzir alguém ao pecado? (Tg 1.13). 

Jeremias foi um profeta levantado por Deus para profetizar durante os últimos dias do Reino do Sul (Judá). Se não houvesse arrependimento, a nação seria destruída. Basicamente, essa foi a mensagem destemida e “pesada” que Deus entregou ao profeta. A primeira parte do livro de Jeremias (capítulos 1—25) possui uma série de oráculos e ações simbólicas, todas anunciando a destruição de Judá e também de Jerusalém. Cada ação simbólica é seguida de uma interpretação. 

Nesta primeira parte do livro, também é possível notar os diálogos que acontecem entre Jeremias e o Senhor. Em dado momento, lemos o versículo que estamos considerando, em que o profeta parece acusar Deus de ter agido enganosamente. Por que Jeremias disse isso? Bem, Jeremias não está acusando Deus de ter cometido um pecado, pois o profeta conhece muito bem o caráter do Senhor. A estranheza em tudo isso se encontra em algumas traduções bíblicas. 

A NVI traduz por “tu me enganaste” e a ARC de 1969 traduz assim: “Iludiste-me, ó Senhor, e iludido fiquei”. Em minha opinião, as duas traduções soam estranhas ao leitor moderno. A palavra, no original hebraico, é פָּתָה (pātâ), e uma outra possibilidade de tradução seria: “Tu me persuadiste, Senhor, e eu fui persuadido” (NAA) ou “Persuadiste-me, ó Senhor, e persuadido fiquei” (ARA). Sem dúvida, “persuadir” fica muito melhor do que “enganar” ou “iludir”. 

Assim, Jeremias está expressando sua angústia ao Senhor, pois Deus o persuadiu a profetizar a um povo obstinado que não quer receber a mensagem. Jeremias se tornou alvo de deboche e terríveis zombarias. Apesar disso, era impossível que ele abandonasse o ofício profético, pois um fogo ardia em seu coração, de modo que a única saída seria entregar a mensagem profética, apesar dos resultados negativos. Em toda essa situação, Deus estava com Jeremias e o profeta sabia disso (Jr 20.11). 

Você já refletiu sobre isso? Deus lhe comissiona a pregar Sua Palavra. De repente, os ouvintes se rebelam e não querem ouvir o que você tem a dizer. Para piorar, eles começam a zombar da mensagem e humilhar você. Você continuaria firme sob a convicção de que Deus te colocou nessa situação? Não é fácil continuar firme sob tais circunstâncias. Todavia, se Deus lhe comissionou, Ele estará com você em cada etapa da missão. 

Jeremias ficou tão mal diante da oposição a ponto de desejar a morte. Na verdade, ele não queria nem ter nascido. Ele queria mesmo é que sua mãe ficasse perpetuamente grávida (Jr 20.17). Às vezes, a pressão circunstancial sobre nossa mente e emoções é, de fato, avassaladora. Parece não haver sentido enfrentar tudo aquilo. Qual o propósito? Qual o benefício? O que de bom pode ser aprendido? 

Em muitas ocasiões, nosso coração pode lançar acusações contra o caráter de Deus. Talvez Jeremias tenha sido tentado a isso, mas creio que ele não chegou a declarar tal coisa, conforme vimos acima. Ser tentado é diferente de cair em tentação. Provavelmente você foi tentado a duvidar da integridade de Deus. Eu já e muitas vezes. Quando isso acontece, queremos distância da Bíblia e da oração. Se permitimos isso, a situação piora ainda mais. 

Assim, a solução para as frustrações é confiar persistentemente no Deus que se revelou a nós através de Jesus. Para confiar, precisamos de fé, aquela fé que não é deste mundo. Quando estiver difícil ou impossível de confiar, é muito apropriado que oremos como aquele homem do meio da multidão, pai de um menino possesso de um espírito mudo: “Ajude-me na minha falta de fé!” (Mc 9.24). 

 

Fabrício A. de Marque