pub-9363386660177184 Pensando as Escrituras: O legalismo e suas diversas expressões na vida cristã

O legalismo e suas diversas expressões na vida cristã

 

Você é um cristão legalista? Somos rápidos em afirmar que “não, de jeito nenhum!”. No entanto, é provável que sejamos legalistas sem perceber. Isso porque o legalismo pode se manifestar de várias formas na vida cristã. Conhecer cada uma dessas formas é fundamental para examinarmos a nós mesmos. Antes de comentarmos sobre as diversas expressões do legalismo, vamos definir o conceito de legalismo.

De acordo com o teólogo batista Millard J. Erickson, legalismo é o “cumprimento da lei, particularmente em sentido formal, em que se considera que a obediência é meritória[1]. Segundo a definição, o legalista é aquele que procura cumprir a lei de Deus a fim de ser recompensado por sua obediência. A obediência do legalista não tem como base a gratidão a Deus, mas a obrigação. Se não houver obediência rigorosa, jamais seremos aceitos por Deus.

Muitos cristãos, diante disso, podem afirmar: “Somos aceitos pela graça de Deus por causa dos méritos de Jesus, apesar de nossos deméritos. O legalismo não faz sentido, pois anula a graça de Deus”. Isso é verdade. Contudo, na prática, podemos agir como legalistas, mesmo tendo o conceito bem definido em nossa mente. O legalismo pode se fazer presente sutilmente, afetando negativamente a nossa caminhada cristã. Vejamos, agora, as diversas manifestações do legalismo.

A primeira expressão do legalismo é o externalismo. Essa expressão é, basicamente, o que falamos anteriormente na definição do conceito. Esse tipo de legalista separa a lei de Deus do próprio Deus que revelou a lei. Assim, a vida cristã é privada do relacionamento pessoal com Deus, pois o propósito é tão somente obedecer a regras. Tudo se limita a “fazer isso” e “não fazer aquilo”. É óbvio que o Senhor revelou mandamentos que devem ser obedecidos. No entanto, a obediência aos mandamentos não pode ficar desconectada do relacionamento pessoal com Deus. Ao invés disso, a obediência aos mandamentos deve ser a expressão do amor genuíno a Deus.

A segunda expressão do legalismo é a negligência do espírito da lei. O que é isso? O Novo Testamento revela que há distinção entre a letra da lei e o espírito da lei. A letra da lei é a forma exterior da lei. Já o espírito da lei é o propósito final para o qual a lei foi dada. O legalista separa esses dois aspectos da lei de Deus, enfatizando apenas a letra da lei, em detrimento do espírito da lei.

Pense, por exemplo, nos fariseus da época de Jesus. Certa vez, Jesus encontrou na sinagoga um homem que tinha uma das mãos deformada. Isso aconteceu num sábado. Então, os fariseus perguntaram a Jesus se a lei de Deus permitia curar no sábado. A pergunta dos fariseus tencionava acusar Jesus de quebrar a lei de Deus, caso ele dissesse que “sim”. Jesus, então, respondeu com outra pergunta: “Se um de vocês tivesse uma ovelha e ela caísse num poço no sábado, não trabalharia para tirá-la de lá? Quanto mais vale uma pessoa que uma ovelha! Sim, a lei permite que se faça o bem no sábado” (Mateus 12.11-12) [2].

Perceba que o espírito da lei consiste em fazer o bem às pessoas, mesmo no dia de sábado. Fazer o bem no dia de sábado não quebraria a lei de Deus de modo algum, porque a letra da lei está unida com o espírito da lei. O ser humano é mais importante do que determinado dia da semana. O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. O problema é que os fariseus não conseguiam enxergar além da letra da lei. Ao negligenciar o espírito da lei, eles caíam no externalismo.

A terceira expressão do legalismo é o acréscimo de leis humanas à lei de Deus. Infelizmente, esse tipo de legalismo é bastante comum, principalmente em alguns segmentos evangélicos. Por exemplo, certas denominações proíbem o uso de calça jeans, maquiagem, etc. Outras, afirmam com convicção que ingerir qualquer quantidade de álcool — até mesmo um pequeno cálice de vinho — é pecado. Ainda outras declaram que ingressar na política, ganhar muito dinheiro ou ir para a universidade, equivale a fazer amizade com o mundo.

Impor essas leis às pessoas como se fossem leis de Deus é beirar a blasfêmia. É uma perversa distorção do evangelho da graça de Deus. A sabedoria bíblica deve guiar o povo de Deus em todas as questões, especialmente naquelas questões em que não há um pronunciamento das Escrituras. Se a Bíblia se cala sobre determinado assunto, é imoral impormos leis humanas como se fossem leis divinas.

A quarta expressão do legalismo é a supervalorização de coisas menores. Reflita sobre a seguinte pergunta: é mais fácil amar o nosso inimigo ou parar de comer como um glutão? Com certeza é mais fácil deixar de comer como um glutão. Deixar de comer muito é uma questão menor, enquanto amar o nosso inimigo é uma questão muito maior. O legalista dá atenção apenas às questões pequenas, sem se preocupar também com as questões mais importantes. Os fariseus do século 1º também agiam assim. Certa vez, eles foram repreendidos por Jesus, porque davam o dízimo da hortelã, do endro e do cominho (coisas menores), mas não se importavam com a justiça, misericórdia e fé (coisas maiores) [3].

Podemos cair na mesma armadilha de supervalorizar as questões menores em detrimento das questões maiores da fé cristã. Se uma pessoa evita a murmuração, mas age desonestamente com o próximo, ela não está sendo menos hipócrita do que os fariseus. Obedecer a Deus em questões menores é indispensável. Todavia, isso é apenas o ponto de partida. Deus requer obediência completa da nossa parte.

Por fim, a quinta expressão do legalismo é o escapismo. Muitos de nós já tentamos escapar de uma obrigação, apresentando justificativas aparentemente plausíveis. Isso acontece quando usamos um argumento para justificar a nossa desobediência. Vemos isso em igrejas que abandonaram a pregação genuína do evangelho e introduziram a “pregação coaching”, argumentando que os tempos mudaram. O escapismo também se faz presente na vida de muitos cristãos. Muitos, sob a pressão do mundo e da própria carne, abandonaram os meios de graça, perderam o interesse pelos seus cônjuges e filhos e se entregaram à desesperança, como se fossem órfãos nesse mundo. Em muitos desses casos, o argumento será sempre o mesmo: “A vida é difícil e tudo irá de mal a pior”.

Para encerrar, retomo a pergunta feita no início: você é um cristão legalista? Se você não é, certamente você já foi em algum momento. Todos nós já agimos de maneira legalista em alguma situação da vida. Que Deus nos ajude a vivermos sob a graça de Deus, em obediência ao Seus mandamentos e totalmente livres da religiosidade sufocante do legalismo.

 

Fabrício A. de Marque

 

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Notas:

[1] ERICKSON, Millard J. Dicionário Popular de Teologia. São Paulo: Mundo Cristão, 2011. p. 114.

[2] Nova Versão Transformadora (NVT).

[3] Mateus 23.23.



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