pub-9363386660177184 Pensando as Escrituras: O Dispensacionalismo e a interpretação literal da Bíblia: uma análise crítica

O Dispensacionalismo e a interpretação literal da Bíblia: uma análise crítica

 

O dispensacionalismo é muito popular porque afirma interpretar a Bíblia de forma literal. Um dos principais teólogos dispensacionalistas, Charles C. Ryrie, disse que a interpretação literal é essencial para entendermos as profecias bíblicas. E isso, por sua vez, nos conduz ao dispensacionalismo. Ele apresenta três argumentos a favor dessa abordagem:

1. Argumento filosófico: Ryrie argumenta que, visto que Deus é o Criador da linguagem e deseja transmitir a Sua mensagem aos homens com clareza, então é certo que Ele se comunicaria por meio de uma linguagem literal e normal. Portanto, a interpretação literal é necessária para entender o coração de Deus.

2. Cumprimento literal: Ryrie destaca que as profecias do Antigo Testamento sobre a Primeira Vinda de Cristo foram cumpridas de forma literal no Novo Testamento. Isso, portanto, sugere que a interpretação literal é válida e precisa para o estudo profético.

3. Objetividade: Ryrie afirma que a interpretação literal é necessária para mantermos a objetividade na interpretação da Bíblia. Em outras palavras, quando rejeitamos a interpretação literal, perdemos de vista a clareza e a intenção original do autor sagrado.

Todavia, os próprios dispensacionalistas reconhecem que o “literalismo coerente” é um ideal hermenêutico impossível de ser alcançado. O destacado teólogo John S. Feinberg, chegou a dizer que a abordagem de Ryrie é simplista demais. E os teólogos Craig Blaising e Darrell Bock disseram que o conceito de Ryrie é bastante “ingênuo”. A verdade é que a interpretação literal não leva em consideração o uso de figuras de linguagem na Bíblia, como poesias, metáforas e parábolas.

Olhando rapidamente para os três argumentos de Ryrie, percebemos que o problema com o primeiro argumento é que ele parte de uma premissa preconcebida, ou seja, Ryrie pressupõe que é necessário adotar a interpretação literal antes mesmo de abrir a Escritura. Essa postura impossibilita a interpretação espiritual imediata e ignora a diversidade de gêneros literários presentes na Bíblia.

O segundo argumento também é problemático. A alegação de que todas as profecias do Antigo Testamento sobre Cristo foram cumpridas de forma literal no Novo Testamento não procede. E a razão é simples. Existem exemplos de cumprimentos não literais e o próprio Novo Testamento utiliza interpretações tipológicas e analógicas das profecias.

Um exemplo disso é quando Mateus relaciona um acontecimento do passado com a vida de Jesus. Por exemplo, quando Israel foi chamado para sair do Egito, isso foi visto como uma prefiguração do que aconteceria quando Jesus voltasse da Sua fuga no Egito (Os 11.1; Mt 2.15).

Por fim, o problema com o terceiro argumento é que a interpretação literal não garante necessariamente a ortodoxia. Prova disso são as várias seitas que adotam uma interpretação literal das Escrituras, como as Testemunhas de Jeová que são pré-milenistas. Sejamos honestos em admitir que os próprios dispensacionalistas às vezes fazem interpretações não literais quando convém ao seu sistema escatológico.

O problema está na incoerência do literalismo seletivo. Jesus confrontou o literalismo judaico durante o Seu ministério, demonstrando que a interpretação estritamente literal poderia levar ao erro e à rejeição do Messias.

Portanto, embora o dispensacionalismo defenda a interpretação literal da Bíblia como essencial, essa abordagem apresenta desafios e limitações, porque nem sempre é possível aplicá-la de forma coerente em todos os casos. Defender com unhas e dentes um “literalismo coerente” é uma atitude não apenas ingênua, mas também promove uma falsidade.

 

Fabrício A. de Marque



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